Desbravando letras e linguagens

Desbravando letras e linguagens
Desafios da leitura. Fonte: http://bibliotecaets.blogspot.com

Disciplina de Leitura e Letramento

LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA
INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi realizado com o objetivo de descobrir em que contextos os alunos com que trabalho são letrados e conhecer o conceito de letramento pra refletir sobre o trabalho com leitura e escrita na disciplina de Língua Portuguesa na escola.
            O trabalho justifica-se pela importância de o professor conhecer seus alunos, sua realidade para conseguir relacionar essas informações a sua prática e incorporar à mesma a concepção de letramento.
            Para realizar a pesquisa, foram lidos textos teóricos sobre o tema “Letramento” e também sobre o trabalho com leitura e escrita na sala de aula. Para obter os dados da pesquisa, foi aplicado um questionário com seis alunos de uma escola municipal de Dom Pedrito da sexta série. Dentre eles, três (1, 2 e 3) atingiram os objetivos do bimestre em relação a leitura e escrita; e três (4, 5 e 6) não atingiram. Este foi o critério de escolha dos alunos para responderem ao questionário retirado de Vólvio (2007), que está em anexo, de forma que pudesse ser feita uma comparação e uma análise a partir do conceito de letramento e suas implicações para o ensino da leitura e escrita nas escolas.
            Para iniciar a reflexão sobre o conceito de letramento, uma história contada no texto a seguir de Rampineli (2007):

Numa tarde de outono, fui abordada por Heloysa no pátio da nossa escola: professora Edina, já sei ler teu nome!”
      “Como sabes?”, indaguei, surpresa.
      A garota de cachinhos dourados me conduziu pela mão até a calçada, onde estava desenhada uma amarelinha em forma de caracol. Pulou cinco casas e parou na letra E. Cada casa do jogo correspondia a uma letra do alfabeto, em cores diferentes.
      Fiquei impressionada e curiosa para entender como aquela criança de apenas três anos de idade, frequentando o Maternal, sabia “ler meu nome”.
      Dessa vez, Heloysa me conduziu até a sala de aula e, apontando pra minha foto exposta em um cartaz com fotografias e iniciais do nome da professora e de cada amiguinho, disse: “Este é teu nome”.
      Emocionada, cumprimentei a menina, dando-lhe um beijo e um afetuoso abraço.
      Com esse gesto, Heloysa leu minha emoção e sentiu o quanto eu estava feliz por entender que a escola é o lugar em que se aprende a ler o mundo com os olhos do coração.

            Para começar, o que essa menina tem a ver com a população da pesquisa? Talvez não muita coisa. Afinal, essa menina, estudante de uma escola da rede privada de ensino conveniada com o sistema Positivo, na escola, pelo menos, desde os três anos de idade, não teve a mesma história destes alunos que sempre estudaram na rede pública e frequentaram a escola, no máximo, desde a pré-escola com cinco anos. Porém, ilustra um lindo evento de letramento, ocorrido na escola e em razão do trabalho e das experiências vividas na escola, apesar de o título do texto, na revista, ser: “Alfabetização com amor”.
            Neste trabalho, o enfoque não é alfabetização nem alfabetismo, mas sim, letramento. Para entender o seu significado, já que é uma palavra nova em nosso vocabulário e com autores apresentando, às vezes, significados divergentes, esse vocábulo, conforme Kleiman (1995), “não está ainda dicionarizada”, apresenta-se a seguir a definição desse termo segundo algumas autoras.
            Rojo (2009) utiliza-se do conceito de letramento de Kleiman (1995): “A participação nas práticas sociais que, de alguma maneira, envolvem a leitura e a escrita.” Kleiman (1995) vai além, acrescentando:

“o letramento significa uma prática discursiva de determinado grupo social, que está relacionada ao papel da escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não envolve, necessariamente, as habilidades específicas de ler ou de escrever.”

            Nesta afirmação, inclusive, a autora solicita que se verifique Rojo, no mesmo volume de sua obra. Em uma entrevista concedida ao jornal do Brasil em 2000, Soares (2010) responde sobre seu significado de letramento: “letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vivem”
            Então, pode-se perceber, nas definições das três autoras pesquisadas para realizar o presente trabalho, que há semelhanças em suas concepções de letramento. E é com essas semelhanças que se vai perceber o letramento para analisar os dados dessa pesquisa.
            Segundo Rojo (2009), “há uma relação direta entre escolarização e gosto pela leitura” o que aproxima a escola na responsabilidade pela competência leitora dos alunos. Além disso afirma:

      “[...] fica a indicação de que um dos papéis importantes da escola – como agência cosmopolita (Souza-Santos, 2005) – no mundo contemporâneo é o de estabelecer a relação, a permeabilidade entre as culturas e letramentos locais/globais dos alunos e a cultura valorizada que nela circula ou pode vir a circular. Esse talvez seja, inclusive, um caminho para a superação do insucesso escolar e da exclusão social.”

            Fazendo assim, com que se coloque possibilidades para a escola de resolver problemas de tal dimensão através do conhecimento do universo letrado dos alunos pra que se dê continuidade e valor a esse universo. Para acrescentar às responsabilidades da escola com o sucesso escolar através do conhecimento das práticas cotidianas de letramento de seus alunos, Rojo (2009) afirma:

      “Temos também, forçosamente, de concluir que nos cabe agora, nos primórdios deste século XXI, enfrentar esses dois problemas: evitar a exclusão escolar e tornar a experiência na escola um percurso significativo em termos de letramentos e de acesso ao conhecimento e à informação – o que temos chamado, bastante genericamente, de “melhorar a qualidade de ensino”

            Dado ao papel de letrar que a escola muito já apresentou, ou seja, somente alfabetizar, acaba-se desconhecendo, segundo Kleiman (1995), outras agências de letramento como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, pois essas mostram orientações de letramento muito diferentes.
            Portanto, caso se queira mudar o papel atual da escola no letramento do alunos, na suas capacidades de ler e escrever, deve-se refletir sobre o conceito de letramento, conhecer em que contextos os alunos são letrados e entender o papel e a responsabilidade da escola neste processo. Segundo Kleiman (1995), “pensemos a aquisição da escrita como um processo que dá continuidade ao desenvolvimento linguístico da criança, substituindo o processo de ruptura, que subjaz e determina a práxis escolar”.
            E o tipo de letramento que deve nortear o trabalho escolar, segundo Kleiman (1995) é o modelo ideológico de letramento:

“levando em consideração o fato de que os objetivos que nos interessa atingir no ensino são aqueles de uma pedagogia culturalmente relevante (Erickson, 1987) e crítica (Freire, 1980), devemos concluir que o modelo ideológico de letramento, que leva em conta a pluralidade e a diferença, faz mais sentido como elemento importante para a elaboração de programas dentro dessas concepções pedagógicas.”

Kleiman (1999), também incentiva um trabalho interdisciplinar de leitura. Isso envolve o conhecimento de mundo prévio dos alunos, suas vivências de letramento dentro e fora da escola, pois envolverá senão todas as disciplinas, o maior número delas. Ela propõe a construção de redes de conhecimento, utilizando a sala de aula como um lugar para a comunicação de informações. Em suas propostas de interdisciplinaridade,

“leitura é a atividade que propiciaria a aprendizagem e a integração de novas informações aos conhecimentos e experiências anteriores na construção de significados. Tanto a leitura como a produção de um texto escrito, promovem uma relação diferente com o pensamento. A boa escrita e o pensamento cuidadoso e criativo andam juntos, e a escola deveria estar mostrando isso.”

            A leitura, dentro das atividades interdisciplinares, pode ter dois papéis, conforme Kleiman (1999):

“Dimensionar equanimente o disciplinar e o interdisciplinar dentro de uma escola envolve a divisão equilibrada do tempo e do espaço para o próprio aluno construir suas redes de conhecimento. Nessa construção, a leitura pode ser objetivo e instrumento da aprendizagem. Na qualidade de instrumento, pertence a todas as disciplinas, pois é, por excelência, a atividade na qual se baseia grande parte do processo de aprendizagem em contexto escolar. Na qualidade de objetivo, envolve a formação de atitudes – a valorização da prática – e a transmissão de valores – aquilo que a sociedade considera importante para as futuras gerações.”

Então, para realizar atividades interdisciplinares para trabalhar a leitura em sala de aula, promovendo um seguimento e não uma ruptura para o desenvolvimento do aluno para que utilize e leitura e escrita socialmente, é necessário conhecer suas trajetórias de letramento. Para isso, será feita a análise dos dados coletados na pesquisa de campo com questionário.
Foi solicitado aos alunos, que assinalassem as alternativas que mostrassem o que eles e sua família costumavam fazer, ou seja, as questões continham eventos de letramento presentes no nosso dia a dia. Os dados estão expostos na primeira coluna da tabela 1. Recordando que os alunos 4, 5 e 6 não atingiram os objetivos do bimestre quanto à leitura e à escrita, pode-se observar que também são os que participam de menos eventos de letramento diariamente. Observando as opções existentes no questionário, atividades como “consultar catálogo telefônico, consultar guia telefônico, reclamar por escrito sobre produtos ou serviços que adquiriu” não foram marcadas por nenhum aluno, ou seja, não são realizadas por ninguém da população pesquisada. Além disso, como se pode verificar na segunda coluna da tabela 1, são também os que menos possuem material impresso em casa. É necessário acrescentar também, que o aluno número 5, também não possui televisão. Os materiais impressos que não estão presentes na casa de nenhum dos alunos é: guia de rua e serviços, e catálogos e lista telefônica. Quanto à coluna 3 da tabela 1, também se constata que os alunos ainda não estão inseridos no mundo digital. Em contrapartida, é importante afirmar que a escola possui um laboratório de informática, mas que esses recursos não atendem satisfatoriamente esses alunos.
Além de tudo, os alunos 4 e 5 são meninos e as demais, meninas. Fora a aluna número 6, os alunos 4 e 5 ilustram a constatação de Rojo (2009) de que “o certo é que há uma relação mais negativa entre a escola e o sexo masculino.”


PRÁTICAS DE LETRAMENTO COTIDIANAS
MATERIAIS IMPRESSOS EM CASA
ATIVIDADES NO COPUTADOR
ALUNO 1
9
10
0
ALUNO 2
17
13
3
ALUNO 3
9
8
6
ALUNO 4
8
7
0
ALUNO 5
6
6
0
ALUNO 6
5
9
0
TABELA 1: QUANTIDADE DE RESPOSTAS MARCADAS EM CADA ITEM

            Quanto à análise da segunda tabela, vale acrescentar que no município onde a pesquisa foi realizada, não há cinema nem teatro. Em razão disso, os alunos unanimemente marcaram “nunca”, excluindo a possibilidade de terem tido essa vivência em outro municípo. Outro fator que, talvez em decorrência da idade e do sistema familiar de cada aluno, a presença em shows é quase unanimemente inexistente entre eles. A pesquisa mostrou o rádio e a televisão como os meios de comunicação e entretenimento mais usados por essa população jovem da pesquisa. É importante reiterar que o aluno 5 não marcou as opções com programas de TV porque não possui este aparelho em casa.


cinema
teatro
shows
Notícias no rádio
Outros programas de rádio
vídeos e DVDs em casa
filmes na tv
noticiário na tv
outros programas na tv
museus ou exposições de arte
N
N
R
F
F
F
F
F
F
R
ALUNO.........2
N
N
N
F
N
N
F
F
F
N
ALUNO.........3
N
N
N
F
F
R
F
F
F
N
ALUNO.........4
N
N
F
F
F
F
F
F
F
N
ALUNO.........5
N
N
N
F
F
N
N
N
N
N
ALUNO.........6
N
N
N
F
F
N
F
F
AV
N

TABELA 2: FREQUÊNCIA COM QUE OS ALUNOS REALIZAM AS CITADAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
F = FREQUENTEMENTE
AV = ÁS VEZES
R = RARAMENTE
N = NUNCA

            Conclui-se, então, que sem conhecer o universo letrado dos alunos, fica difícil de dar continuidade ao seu processo de letramento ao trabalhar a leitura e escrita. Através da interdisciplinaridade, é possível agregar o conhecimento prévio do aluno de mundo e também o conhecimento adquirido na escola para formar novos conhecimentos. Atividades interdisciplinares são exemplos de como promover um trabalho de leitura e escrita que esteja presente e sirva nas interações sociais dos alunos, ou seja, que essas habilidades tenham um papel social e não, simplesmente, individual e formal. É importante também, que se oportunize, de alguma forma, as experiências letradas que esses alunos não tenham. Esse também é um papel da escola, dos professores em conjunto. Conhecendo o mundo letrado dos alunos, o professor tem mais possibilidades de melhorar a qualidade de ensino contribuindo para o sucesso escolar dos seus alunos para que alcancem os objetivos existentes interdisciplinarmente e também em torno da leitura e escrita.

ANEXO

Análise das práticas e eventos de letramento de alunos e ou de suas famílias
1.        As seguintes questões para a elaboração de indicadores de letramento foram retiradas de Vóvio (2007):

A. Dessas atividades, quais tu (ou teus pais) costuma(m) fazer (podes assinalar mais de uma)?

 
1.        Consultar catálogo telefônico
2.        Consultar guia de rua
3.        Fazer listas de coisas que precisa fazer
4.        Usar agenda para marcar compromissos
5.        Deixar bilhetes com recados para alguém da casa
6.        Escrever cartas pra amigos ou familiares
7.        Ler cartas de amigos ou familiares
8.        Ler correspondência impressa que chega em sua casa
9.        Fazer listas de compras
10.     Procurar ofertas ou promoções em folhetos e jornais
11.     Verificar a data de vencimento dos produtos que compra
12.     Comparar preços entre produtos antes de comprar
13.     Fazer compras a prazo com crediário
14.     Pagar contas em bancos ou casas lotéricas
15.     Fazer depósitos ou saques em caixas eletrônicos
16.     Ler manuais para instalar aparelhos domésticos
17.     Reclamar por escrito sobre produtos ou serviços que adquiriu
18.     Ler bulas de remédios
19.     Copiar ou anotar receitas
20.     Copiar ou anotar letras de música
21.     Escrever histórias, poesias ou letras de música (de sua autoria)
22.     Escrever diário pessoal

 
B. Quais desses materiais (impressos) há em tua casa (podes assinalar mais de um)?

 
1.        Álbuns de fotografia
2.        Bíblia ou livros religiosos
3.        Cartilhas ou livros escolares
4.        Livros ou folhetos de literatura de cordel
5.        Dicionário
6.        Enciclopédias
7.        Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos
8.        Folhinha, calendários
9.        Guias de rua e serviços
10.     Catálogos e lista telefônica
11.     Jornais
12.     Livros de receitas
13.     Livros de literatura
14.     Livros didáticos ou apostilas escolares
15.     Livros infantis
16.     Livros técnicos ou especializados
17.     Manuais de instrução
18.     Revistas
19.     Outros. Quais?_______________________ ___________________________________
20.     Não tem nenhum desses materiais

 

C. Quais das atividades abaixo tu (ou teus pais) costuma(m) fazer no computador (podes assinalar mais de uma)?

 
1.        Escrever relatórios e outros textos
2.        Escrever trabalhos escolares
3.        Organizar agenda ou lista de tarefas
4.        Digitar dados ou informações
5.        Elaborar planilhas ou montar bancos de dados
6.        Consultar e pesquisar
7.        Montar páginas ou fazer programas de computador
8.        Fazer cursos a distância
9.        Pagar contas e movimentar contas bancárias
10.     Enviar e receber e-mails
11.     Comprar pela internet
12.     Jogar ou desenhar
13.     Navegar por diversos sites
14.     Copiar músicas em cd ou arquivo eletrônico
15.     Entrar em sites de bate-papo e discussão

 
D. Indica quantas vezes por ano tu (ou teus pais) faz(em) cada uma dessas atividades:

 

Frequentemente (12 vezes)
Às vezes
(4 vezes)
Raramente
(uma, duas vezes)
Nunca
1. Ir ao cinema




2. Ir ao teatro




3. Ir a shows de música ou dança




4. Ouvir noticiário no radio




5. Ouvir outros programas no rádio




6. Assistir a vídeos e DVD em casa




7. Assistir a noticiário na TV




8. Assistir a filmes na TV




9. Assistir a outros programas na TV




10. Ir a museus ou exposições de arte




REFERÊNCIAS


Kleiman, Ângela B. (Org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995, p. 18, 20, 30, 58

KLEIMAN, Ângela B & MORAES, Sílvia E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999, p. 44 e 50.

RAMPINELI, Edina Furlan. Alfabetização com amor. In: SANTOS, Márcio. Pensar e fazer: o valor do professor Positivo. Editora Positivo, 2007

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social.  São Paulo, SP: Parábola Editorial, 2009, p. 23, 49, 52, 57

SOARES, Magda. Entrevista com Magda Soares: “Letrar é mais que alfabetizar”. Disponível em: HTTP://intervox.nce.ufrj.br/%7Eedpaes/magda.htrr. Acesso em: 25/03/2010. P. 2

VÓLVIO, C.L. Entre Discursos: sentidos, práticas e identidades leitoras de alfabetizadores de jovens e adultos. Tese de Doutorado. Campinas, SP: IEL/UNICAMP, 2007.