Desbravando letras e linguagens

Desbravando letras e linguagens
Desafios da leitura. Fonte: http://bibliotecaets.blogspot.com

Disciplina de Literatura

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
ESPECIALIZAÇÃO EM LETRAS E LINGUAGENS
PROFESSORA MIRIAM KELM
APRECIAÇÃO CRÍTICA DA OBRA “CAPITÃES DA AREIA” DE JORGE AMADO
Marília Santos de Quadros
                                                                                                                  
            O romance “Capitães da areia” é uma obra que conta a história da realidade dos meninos de rua da Bahia na época em que foi escrito, na primeira metade do século passado, e que reflete ainda hoje o que acontece nas ruas, nas periferias, nos morros de cidades do nosso país.
            A princípio, depois de ler o livro, se pode pensar que era uma imagem já muito cruel, forte, violenta para o período em que foi escrito. Porém, hoje se percebe na evasão escolar, no império da droga, no comércio ilegal de armas, na tentativa de parcela da população em diminuir a maioridade penal, que esse retrato da injustiça na infância e na adolescência ainda persiste. Perguntei-me o porquê de me impressionar tanto com a história além do fato de que eram meninos que tomavam conta de si mesmos na rua, morrendo de doenças e fugindo da polícia, sofrendo maus tratos da autoridade, sentindo fome e frio. Afinal, há histórias de crianças e adolescentes atualmente que podem ser até mais graves, pois sabemos da existência de problemas em torno do mundo dos entorpecentes, por exemplo, que não tiveram espaço no livro. Entretanto, acredito que a explicação seja por que imaginei alguns dos jovens com que trabalho que estão à beira do abandono e que poderiam sofrer situações semelhantes às dos capitães da areia (se já não sofrem).
            Há alguns pontos no livro que eu gostaria de destacar por terem me chamado atenção e porque foram bem definidos: os personagens são bem caracterizados por sua descrição física, psicológica e por suas ações e reflexões; há características fortes de regionalismo na linguagem, assim como a representação da oralidade na escrita nas falas dos personagens; expressões e gírias da linguagem da época; a presença de crenças religiosas representadas por um padre e uma mãe de santo; o sexualismo representado pelas experiências dos meninos e o homossexualismo presente entre eles, condenado pelo padre e proibido pelo líder do grupo; a marginalidade através do roubo.
            Considero que o final foi bem positivo, poético e otimista. Afinal, o seguinte pensamento de Pedro Bala traduz o rumo da maioria dos personagens da história: “Pensa que se ele tivesse demorado mais algum tempo no trapiche, talvez não fosse um ladrão.” (p.252). O menino se refere a Gato, depois de terem se reencontrado, quando Gato contou o caminho que havia tomado na vida. Ou seja, o trapiche, no fim da história, em vez de abrigo dos que cometem contravenções, caracterizou-se, no pensamento de Pedro Bala como um espaço regenerador, um “reformatório”, uma salvação para o futuro dos meninos. Os fatos comprovam essa dedução, afinal, todos os meninos tiveram uma promessa de futuro, uns com sua vocação, outros com seu talento, outros com emprego. Inclusive Pedro Bala, que com suas ideias e personalidade de líder, teve um final de uma pessoa cujas ações têm impacto na sociedade para tentar revolucioná-la. Entretanto, personagens como Dora, Volta Seca, Sem-Pernas e Gato mostram as conseqüências da realidade em que viviam os meninos.
            A obra, através do narrador, ilustra os meninos, mesmo com seus roubos, invasões, mentiras, ataques, como vítimas da sociedade, da sua situação e, todos aqueles que reprovavam julgando suas atitudes, como vilões. E o que me surpreendeu foi que a narração foi tão envolvente que se consegue aceitar as explicações e justificativas para entender a motivação desses garotos. Na prática, penso que a proposta da leitura desse livro, ainda nos anos finais do Ensino Fundamental, para a leitura dos alunos deve ser direcionada, conduzida e até, adaptada, dependendo do caso. Eu preferiria trabalhar a leitura completa com o 9º ano com seminários e debates sobre alguns trechos do livro em específico. Já nos outros anos, trabalhar alguns capítulos como os dois primeiros que estabelecem uma descrição bem interessante. Ou, então, eleger dois capítulos contrastantes, como o que mostra uma invasão a uma propriedade para realizar uma troca de objetos e o que relata o encantamento dos meninos pelo carrossel.
            Assim, posso dizer que “Capitães da areia” foi uma leitura envolvente, interessante, fluiu com facilidade e proporcionou muita reflexão sobre problemas sociais que há tanto tempo existem no nosso país.

AMADO, Jorge. Capitães da areia. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2004. 112ª ed.